terça-feira, 2 de agosto de 2016

Casa Aberta

A alegria é herança da loucura, como se vê nas crônicas de uma família que se deu o direito à ela.
Na rua Tenente Aranha, há uma casa aberta; sem portas, nem janelas. Era permitido a toda a gente entrar, ficar e partir quando quiser. Mas nem todos tinham bons olhos. Os vizinhos consideravam aquela família um péssimo exemplo à família tradicional brasileira. Era comum sessões cineclubistas com debates acalorados contra um sistema que proibia a preguiça.

Havia uma fumaça constante, com cheiro forte; ervas queimadas em cachimbos. Sexta-feira era dia de música; bandas independentes agitavam toda a gente que vinham de toda parte da cidade. Aos sábados, sarau de poesia, com direito a performances artísticas, jovens cuspindo fogo, com luzes no cabelo e piercings em toda a cara. Domingo era voltado para a produção sagrada familiar: telas em aquarelas, esculturas sem sentido e coral. Todos tinham sua voz.

Durante a semana, dias comuns, o pai regava as plantas e cuidava do jardim, gritando nu, “Viva a liberdade!”.

A mulher, fumando “um”, sorria preguiçosa na rede, na varanda da casa.

O velho, avô de todo mundo, sentava com um notebook no colo, escrevendo, ora no jardim, ora na varanda, ora na cozinha…

A criança, o único sensato daquela prole, cozinhava, meio sério, meio puto, meio triste.

O papagaio, narrador, explicava toda a história:
– O jardim vai morrer! A rede vai pocar! O velho escreve! O ovo está queimando! – Repetia o pássaro.
Eles sempre são debochados. – Pelado, pelado, nu com a mão no bolso. – Cantarolava.

Alguns anos depois, o papagaio morreu, a criança cresceu, a mulher e o homem envelheceram e o velho já não escreve mais.
A rua se transformou.
Agora todas as casas eram abertas, sem portas, sem janelas e onde toda a gente chega, fica e parte quando quiser.



Fabiano Oliveira
www.wattpad.com/user/FabianoOliveiraFO


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